sexta-feira, 2 de abril de 2021

Sou um saudosista nato!

Pandêmico. Isolado. Jejuno de copo e de bar. Sou um saudosista nato. Tantas vezes emocionado com perdas. Outras vezes com os ganhos pelas vidas retomadas. Quedo-me às lembranças. E com a alma genuflexa, vou ao velho baú de recordações. Bulo em escritos, reviro fotos, viajo pra muito longe, pra lugares e mares nunca dantes navegados como nos primeiros versos de um soneto lindo, que fala de esperanças e despedidas, de ninguém menos que o Príncipe dos Poetas cearenses, o padre Antônio Thomaz, nascido no Acaraú. 

"Quando partimos, no vigor dos anos, 

Da vida pela estrada florescente, 

As esperanças vão conosco à frente 

E vão ficando atrás os Desenganos..." 

E passando mais e mais no tempo, neste empoeirado baú que a peste me fez espanar e tirar dele as teias das aranhas que teimam em se avolumar, encontro foto com o jornalista, querido e sensível Macário Batista. Como o poeta Antônio Tomaz morou em Sobral, na terceira idade e exatamente na Praça João Pessoa, pátria amada de Macário e Izolda Cela, achei por bem trazê-lo aos fatos. 

O Macário é cabra, que como dizia o poeta Barros Pinho; fez o primário bem feito, daí que leu Ulisses, Raimbeau, Sartre, Vieira, o de além mar e o daqui, da Várzea Alegre, vigário do nosso Icozinho da saborosa Peixada do Zeca, me aguça fincar estaca na paragem do Rui Barbosa, bar de grande acolhimento, que mudou de nome, mas não da filosofia de abrir os braços e longos gestos de afago e cordialidade. 

Nesse pedaço de noite, falamos das histórias de Icó, dos calçamentos, do casario, dos historiadores, dos memorialistas que, como este servo Guardião do Largo do Théberge, faz questão de atender aos apelos da civilizada recepção aprendida com os Moreiras e os Costas e ouvir o cântico das tantas viagens pelo mundo caminhadas pelo Macário. 

Dos dez passaportes, cheinhos de carimbos em septuagenários anos de vida e de canções, cantadas e escritas, nosso personagem desenrola rios de fios por encontros com reis, príncipes, presidentes e a alta diplomacia do mundo, derrubando muros, erguendo pontes que invariavelmente ligam Ceará, que ele chama estado vizinho ao país Sobral. 

São milhões de qulômetros voados, navegados, caminhados que vão da Russia comunista à Alemanha nazista, ao Portugal pátria Mãe e à doçura de Fátima onde deposita seu cabedal de pedidos, que não são poucos e muito menos fáceis pra Santa arrumar com o Filho e o Pai, porque Macário tem mania de pedir, não por ele nem pra ele, mas por puro desprendimento pelos outros. Pra ele mesmo, pede pouco. 

E acha que é muito pedir pra rever outras tantas vezes as gôndolas de Veneza, o intrincado de continentes de Istambul, as ruínas da Roma dos Césares, os Caminhos de Santiago de Compostela, os vetustos escaninhos da Universidade de Coimbra ou os modernos laboratórios do MIT. Por isso, quando pede, pede e não é coisa de agrado ao hospedeiro, pede a 300 quilômetros de casa. Pede pra rever a tricentenária Icó onde Nossa Senhora da Expectação e o Senhor do Bonfim o abençoam. E os amigos o abraçam...! 

Pede pra tomar banho na Bica do Ipu de incríveis lembranças da juventude distante ou aqui mesmo, na vizinhança, onde vem conversar com o Roberto Bulhões e o Padre Cícero e no Cratinho de Açucar de outros tantos amigos. 

 Tá vendo como uma foto nos faz bem? Tá vendo como uma lembrança nos põe em aviões que nunca entramos? Tá vendo como o bem querer nos eleva a alma? Tá vendo como a vida deixa o preto e branco pra colorir as saudades? 

Feliz Páscoa a todos e que minhas tantas e tão carinhosas orações ao tempo, me elevem um pouco mais com a segunda quadra do soneto do Padre Tomaz que me volta à terra: 

"Rindo e cantando, céleres e ufanos,

Vamos marchando descuidosamente... 

Eis que chega a velhice de repente, 

Desfazendo ilusões, matando enganos". 

Que Deus seja louvado! 

 (Por Fabrício Moreira da Costa, advogado e contista).

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