quinta-feira, 2 de setembro de 2021

HISTÓRIAS QUE EU VIVI



Nos meados dos anos 1980, ainda pré-adolescente, fui trabalhar na Cooperativa Agrícola e Industrial de Icó (Coicó) e a legislação, à época, não tinha institutos mais eficazes para proibir um menor de idade, precocemente, atuar em atividades designadas somente para adultos.

Minha função: atender os agricultores, selecionar suas fichas junto à instituição e fazer anotações das relações deles com a empresa.

Nesse período, bem moço e com pouca experiência que os caminhos espinhosos da vida nos aguardava para o futuro próximo, tive através dos meus pais a grata oportunidade de conhecer um associado da cooperativa:

- o Fazendeiro Antônio Peixoto da Costa (Antônio Franco).

E surgiu, daí, minha amizade com aquela honrada família com raízes no Rio Grande do Norte que, até os dias atuais, guardo boas lembranças na memória e no coração.

Por anos, fiz parte do convívio do Casarão de Antônio Franco e Dona Terezinha na Fazenda Santo Antônio, zona rural de Icó, e a minha permanência nos finais de semana e também em demoradas férias colegiais e do trabalho, eram constantes.

Conheci um casal decente, muito família, com muita moral e honra, mas, principalmente, ativo para o trabalho.

Na penumbra da sala do casarão, à época, ainda sem energia elétrica em praticamente todos os sertões de Icó, dona Terezinha com a maior das atitudes e gentilezas, armava minha rede.

O agricultor Seu Luiz, a quem apelidávamos de "Pitão" por ter os lábios grossos, exagerados e com a bruteza do bom sertanejo, também dormia na sala.

Roncava muito, mas como era muito rude, eu nunca ousei em reclamar; por cautela e medo mesmo.

Em algumas oportunidades, quando nos reuníamos com os filhos e os genros do casal Antônio e Terezinha, até que gritávamos por "Pitão...Pitão...Pitão".

Enfezado, ele com uma peixeira na cinta bem amolada e grande, ainda chegava perto para perguntar quem estava fazendo o "pagode" com ele. Como só a lua era a cúmplice, ele não sabia distinguir o autor da gaiatice e, logicamente, ninguém assumia.

Seu Antônio nem aprovava e nem reclamava, mas na verdade achava graça quando tirávamos onda com o "Seu Luiz".

E assim passaram-se muitos anos...!

Uma fazenda grande. Com muitos ovinos, bovinos e caprinos, açudes e ainda tinha o Rio Salgado que passava valente e belo próximo ao casarão.

Cuscuz com queijo, ovos e nata; bolachões, um café com leite quente, rapadura preta e uma boa espingarda sempre pronta para a caça, era meu cotidiano constante pelas manhãs.

O cheiro da natureza, do estrume do gado, os berros da imensa criação de carneiros e o mugindo da vacaria, o cacarejar dos galos e galinhas, eram o verdadeiro despertador e o anúncio que antes do sol nascer, já era o momento certo de estarmos presentes no curral ao lado.

E o Seu Antônio era o primeiro a se levantar, balançar nossas redes e com sua voz rouca e sempre marcante, anunciava que o "dia estava se criando".

Para enfrentar a longa estrada da vida, a história nos ensina que não apenas as letras mortas e insensíveis de almanaques são capazes de promover o homem a ser um cidadão de verdade, mas a honradez e a experiência do convívio com gente séria, do bem e honesta, nos ensina muita coisa pra eternidade...!

(Por Fabrício Moreira da Costa, advogado e contista).
- Foto de arquivo: Marta Peixoto.

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